Imagina um bife (de vaca)... sem vaca ?


Por Rita Luz e Rita Santos, alunas da Pós-graduação em Comportamento e Bem-Estar Animal, ISPA.

“We shall escape the absurdity of growing a whole chicken in order to eat the breast or wing, by growing these parts separately under a suitable medium.”
Winston Churchill

As primeiras fibras musculares produzidas em laboratório a partir de células animais foram obra do Dr. Russell Ross, no início dos anos 1970. Embora estes trabalhos pioneiros tenham sido realizados no contexto da medicina cardiovascular, estava aberta a caixa de pandora para que a hipótese de se produzir carne em laboratório se tornasse uma realidade.

A ideia de carne artificial consiste em multiplicar-se células musculares em laboratório, sem implicar a morte do animal. Para tal usam-se células percursoras (células estaminais adultas), retiradas de forma indolor de um animal vivo através de biópsia, e colocadas num meio de cultura onde deverão proliferar e crescer. É necessário que as células musculares se liguem a uma malha que as suporte e permita que se exercitem. Esta malha de suporte deverá poder permanecer no produto final e ser consumida. Por último, é necessário um bioreactor onde a carne será realmente cultivada (isto é, multiplicar-se).

Apesar de todo este processo ser possível sem manipulação genética, esta poderá ser usada para adaptar a carne a necessidades nutritivas especiais, como por exemplo, para controlo de colesterol. No entanto, ainda não são conhecidas as verdadeiras consequências desta manipulação para a saúde humana. Teoricamente, esta tecnologia permitiria responder de forma eficaz à crescente necessidade de fornecimento de carne já que, segundo o relatório ONU sobre a evoluҫão demográfica mundial, a produção animal deverá mais do que duplicar até 2050 para sustentar uma populaҫão próxima dos 10 biliões de pessoas.

Esta temática envolve inúmeros grupos de interesse – animais, indústria agropecuária, associaҫões zoófilas, consumidores, indústria farmacêutica, entre outros – que assumem posições muitas vezes opostas. Por um lado, temos a indústria pecuária e todos os que dela dependem. Para estes, o método de produção de carne sem recurso a animais vivos representa, no limite, o desaparecimento da sua subsistência e dos próprios animais. Entre os argumentos que questionam a produção de carne artificial, temos que esta “representa a vitória da ruptura: ruptura com a pecuária, com a relação homem-animal, com a ruralidade. (...)limita-se a apresentar uma solução (a médio prazo, diga-se), mas ignorando a importância que os animais têm na nossa vida (e na do planeta).

Por outro lado, para os defensores dos direitos dos animais - para quem todos os seres “sujeitos de uma vida” possuem valor intrínseco e não podem ser usados como meios para atingir um fim - a ideia de se poder produzir carne sem sofrimento animal é, aparentemente, algo que está perto do ideal. Tanto é que a PETA lançou em 2008 o desafio 'in-vitro' chicken contest', com um prémio de $1M (um milhão de dólares) para a equipa que conseguisse reproduzir carne de galinha em laboratório. Cerca de 30 laboratórios aceitaram o desafio e terão começado a trabalhar nesta investigação. No entanto, outros activistas como o Professor Gary Francione, são da opinião de que a carne artificial, mesmo que não envolvendo sofrimento animal, serve mais para legitimar o consumo de carne e o uso de animais como fonte de alimento.

Mesmo dentro do grupo de potenciais consumidores, a posição não é unânime, sendo levantadas diversas questões de ordem ética (e não só), que parecem colocar em causa esta tecnologia. Por exemplo, é de salientar o facto de os animais continuarem a ser usados, mesmo que apenas numa fase inicial do processo. Temos ainda o investimento necessário (o custo de produção do primeiro hambúrguer foi de 250 mil euros) e o factor 'Blhark' (ou 'Yuk', em inglês, segundo a filósofa Mary Midgley) que está relacionado com as nossas respostas emocionais ao aspecto pouco apelativo do resultado final deste processo (será um bife artificial, um bife?).

Posto isto, e tendo em conta a diversidade de pontos de vista que esta temática impõe, propomos a reflexão sobre as seguintes questões: será que do ponto de vista ecológico e de sustentabilidade do planeta, a solução não estará antes na redução substancial do consumo? Será que, do ponto de vista ético, é aceitável que se produza carne artificial para alimentar a crescente procura de proteína animal, quando esta apenas será acessível a uma pequena fracção da população? Será que é aceitável que se invista milhões em cultura de carne para consumo, quando outras prioridades são evidentes (p.e. produção de órgãos para fins médicos)? Qual será a consequência para os animais, quando deixarmos de necessitar deles? Parece-nos, for fim, que a questão fundamental não incide tanto sobre a forma como produzimos a carne, mas antes no consumo desequilibrado e excessivo que a nossa sociedade continua a promover.
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